Os olhos dela eram um sol castanho sobre aquela face
marcada.
O sol da tarde
sobre o quarto escuro dava-lhes um toque líquido de âmbar, aquele toque que ele
sempre procurava nas cores dos ermos que visitava dentro e fora de si. A cama
se bagunçava e se remexia como um corpo vivo ao ritmo que eles bailavam em cima
dela, pronta para voar pelo quarto, como um animal vivo e às pressas.os corpos
de ambos in-distinguiam-se, como um polvo de muitos braços e pernas e sorrizos,
todo a rasgar-se e acariciar-se, como se o mundo estivesse para acabar ali.o
bronze dos cabelos dela emprestavam a luz que o quarto não tinha, aquecendo as
paredes frias com aquele coração quente. Os olhos castanhos dele estavam
fechados junto ao corpo esguio. Ele não precisava vê-la, por mais que a
apreciasse. Ambos sabiam onde e como estavam, pois se amavam e se conheciam. E eram
como espelho um para o outro. Um caleidoscópio de ruivos e castanhos, e cascas
das árvores que eram, e pêlos e escamas dos monstros que guardavam debaixo da
cama.
Eram livres no confinamento daquelas quatro paredes, pois
suas mentes voavam por sobre os corpos, a lamber-se e beber-se um do outro,
como era de seu costume. O cheiro de flor que brotava da alma dela atraía o pássaro
que ele era, e as asas de pássaro encantavam aquela flor de timidez e rubridez
que era parte dela. E assim eles seguiam amando-se. Sob aquela radiância que
escapava deles, como dois sóis a atrair-se pela gravidade. Gravidade esta que
não deixava-lhes separarem-se, orbitando juntos pelo firmamento do cotidiano de
concreto cinza.E duplicavam-se as alegrias, e dividiam-se as tristezas, e mesmo
em tempos de tempestade, mesmo quando queimavam-se um ao outro pelas
intempéries, o calor era maior. E sempre seguiam-se e amavam-se. E isso tudo
era bom. Tão bom.
Mas futuro põe à prova a gravidade sob o fio de uma lâmina.
E eles desgarram-se a girar pelo espaço. Mas não mais frios não mais com medo,
não mais sozinhos. Pois o Calor compartilhado não se espalha. E cada um mantém
consigo o sol do outro(que é o outro) dento de si. E ela sabe que sob suas asas
ela sempre possui refúgio. E ele segue com o perfume impresso no bico, grato
por ter sido posto no caminho daquela flor, pois ela deu a ele o vislumbre do
sol, como ele achou que já não existia, e segue de cabeça erguida, asas abertas
Pois ele voa sabendo que com tudo de bom que ele carrega consigo, ele vai
continuar respirando.