E o dia passava rápido, como o bater de asas de uma
andorinha. Passava rápido, pois ela também estava pensando rápido. Andando
rápido, Comendo rápido, Bebendo rápido (Mais rápido que o fígado podia processar),
dançando rápido. Ela vivia rápido na esperança de que sua vida pudesse passar
mais rápido, para que ela não precisasse mais passar a vida com essa guarda
levantada. Alerta a todos os momentos, pronta para se defender das pequenas
coisas do dia a dia, que guardavam as lembranças que lhe pegavam de assalto, e
rasgavam-lhe pedaços da carne-coração.
A pista de Dança
estava a mil, numa avalanche desordenada de sensações sinestésicas que eram
batidas no cérebro pela vodka que vinha do estômago. Ela lutava bravamente para
manter a cabeça entretida. Deixava-se levar sozinha pelo ditar mecânico da
música enquanto a mente vazia contrastava o corpo cheio de tudo que ela não
queria. Sentia algo faltando ali. Algo errado, algo estranho, como um membro faltante.
Um fantasma que a agarrava de curva em curva pelo braço para endireitar-lhe os
passos. Irritava-se. Não era para isso que estava ali.
O carro arrancou
assim que ela passou pela porta de entrada deixando-a sozinha no saguão, tentando
acertar a chave na fechadura. Ela entrou no apartamento escuro sem acender as
luzes. Nada que havia ali valia a pena ser observado. Passou pelos cômodos envoltos
em sombras. Despiu-se, e enfrentou o jato de água quente enquanto olhava inexpressivamente
para a parede à frente, esperando que ao menos hoje, as coisas fossem
diferentes.
Ao menos hoje,
quando levantasse, ela não passaria os primeiros 15 minutos do dia sentindo
falta de algo que ela não sabia exatamente o que era (ou sabia). Ao menos hoje,
ela não queria acordar sozinha, e sentir aquele vácuo odioso no meio da caixa torácica
que fazia parecer que o coração havia sumido. Ao menos hoje, ela não queria sentir a ausência de algo quente que ocupava o
espaço entre os braços dela durante o banho. Ao menos hoje, ela não queria
deitar a cabeça no travesseiro no final do dia e agarrar o próprio corpo entre
os braços, sentindo que deveria ter algo mais ali com ela. Algo que não estaria
ali nunca mais.
Ao menos hoje, ela
não queria sentir que tão pouco tempo atrás (mesmo que parecesse ter sido numa
vida passada) ela não era apenas ela. Ela era parte de alguém, e aquele alguém
era parte dela, mas agora aquela parte lhe fora arrancada. E as sombras
infestaram o buraco que ficara apodrecendo o dia dela com memórias de uma vida
que não lhe pertencia mais.
Então por fim, ela
regou o travesseiro com as lágrimas habituais, arrancadas à unha entranhada na
carne. Pois a dor física era um consolo singelo, que aliviava um pouco a dor
tão maior, da mente que lhe dilacerava por saber que um dia ela amou, e perdeu.
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