music
O coração estava para sair pela boca, junto com a vodka e a comida no meio de toda aquela alegria. Os pés dela marcavam a pista ao som rápido e sinestésico da música, ou das luzes que saiam do globo; ela já não diferenciava mais. O mundo exterior estava no limiar da consciência. O que existia ali, eram apenas eles. as mãos quentes dele passavam pelo rosto dela sem que ele desviasse os olhos, ou perdesse os passos, assim como ela havia ensinado. "Ele aprende rápido" ela pensou. Muito rápido. Eles sempre aprendiam um com o outro. Foi assim desde o primeiro dia. E pensar que já fazia tanto tempo.
O suor e o calor e o torpor do momento e a dor nas pernas de duas horas seguidas na pista atordoavam os pensamentos que se embaralhavam. Ela sempre soubera que nada era para sempre. ela sempre soubera que tudo acabava, que tudo tinha um fim para começar algo novo. fossem vidas daqueles que se ama, ou o seu seriado favorito. Ela já gastara muito tempo dos seus vinte anos meditando sobre aquilo. Aceitava, entendia, e de certo modo, via uma certa poesia naquilo. Instruíra-se a não se apegar a nada que fosse. Impôs-se um escudo de antipatia por todo apego que fosse, apenas para vê-lo se despedaçar naquela pista, por entre os olhos castanhos que a perfuravam por entre aquele cabelo ondulado. O terno dele estava escuro de suor, mas ele não diminuía o ritmo. E sorria. Sempre sorria, fosse para o que fosse. aquele sorriso franco e idiota que ele usava na cara e fazia o mundo parecer tão mais bonito do que realmente era...
Aquele maldito, Ela, que sempre fora Destemida, uma lutadora, uma Viking, via-se agora com o mundo de ponta-cabeça por algo que mal sabia descrever. O sol explodia dentro da barriga dela, e o som se perdia por entre as voltas e passos que ambos coordenavam.O calor arrastava-a para ele como uma corrente de mil quilos, como se ela precisasse ser arrastada. Ela ia-se de bom grado guiada pelos braços magros. Era estranho, Porque mesmo em meio aquele prazer que nunca havia experimentado, ela Sentia medo. Sentia medo, por saber que um dia ele iria embora. não dali a uma hora, não dali a uma semana. Mas iria; porque todas as coisas iam-se, nada nunca ficava.E isso de repente tornou-se algo inaceitável. acabar com aquilo, aquilo que ela não sabia nomear, mas que parecia-lhe tão aparente. tão familiar. Familiar como ele, como a presença, o cheiro. o calor que emanava daquele ser que ela sequer levava a sério.
Eles seguiam deslizando na pista, com os olhos conectados, e ela seguia deslizando entre o medo e o gozo que lutavam dentro da sua barriga. O gosto da vodka na boca dele vinha junto com as luzes rápidas e o som do tecno que embalava os passos. Faziam-na parecer que ia lembrar disso para sempre, porque naquele dia, naquela pista, naquela bebedeira, ela fizera uma descoberta que jamais pensaria chegar a fazer. dali em diante, a vida seria diferente. ela descobrira porque a ideia de perdê-lo parecia tão medonha, tão estranha. ali, enquanto dançavam, ela descobriu que o amava.
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