Ali,
aguardando para ser apontada julgada e condenada purgando em dúvida seus
pecados ardendo, mas nunca consumida, a alma solitária, mesmo em meio à
multidão, vaga pela cidade que pulsa caoticamente em cada um de seus pavimentos
cinzentos, vagueia com suas botas de solas esburacadas de tanto seguir rumo a
lugar nenhum, passa pela juventude que entoa seus hinos monotônicos da geração
dessa semana, com seus cabelos iguais e celulares de última geração. Vagueia e
vê as pessoas que passam e a abandonam e se abandonam aos poucos em parcelas do
seu cartão de crédito de limite estourado pelos vestidos de festa, da festa que
acabou com a cinderela de ideais estuprados, maquiagem borrada e pés doloridos
em sapatos que não eram de cristal, deixam cacos para trás para se tornar um,
para caber na forma, espremem-se torcem-se para entrar no molde de metal para
não lidar com os cacos de si, cacos que cortam e deixam escapar o sangue rubro
, talvez não sangrem, afinal sangrar é tão demodê. Passam apressados e apáticos
à brisa com cheiro de mar a beija no rosto e bagunça os cabelos, não sentem não
veem. São partículas que dão à cidade maquinal e cinza a impressão de pulsar,
mas não pulsam mais. Os velhos não têm mais olhos sábios, o jovem não tem os
rostos rosados e cabelo desfeito pelo deliberado desleixo. Os adultos não são
mais heróis e talvez nem às crianças seja permitida a inocência. Tudo pulsa, mas
nenhum coração bate. É um pistão metálico que impulsiona pra frente, e quem tem
tempo para pulsar? E no desespero desse mundo monocromático grita alto até a
garganta sangrar e os pulmões estourarem. Violenta também o paraíso sensorial
do seu ego sem aguentar a solidão que lá havia. Talvez o som do grito da dor
irrompesse as barreiras do mundo bom que só ela conhecia. Julgam-na como louca,
pecadora profana, sem saber que cometem todos os dias o crime de tentar ser
normal.
Extraído do blog PROFANO... INTRÍNSECO... ORGÂNICO... em um dia de chuva interna e extrena.
O sol brilha, mas a genialidade do texto ficou na minha cabeça.
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