sexta-feira, 20 de abril de 2018

Carnalismo



No rastro do teu caminhar 


No ar onde de você passar 


O seu perfume inebriante


Perdurando um instante ao outro inteiro evitar


Me abraça e me faz calor 


Segredos de liquidificador
 

Um ser humano o meu amor 


De músculos de carne e osso 


Pele e cor...










domingo, 18 de junho de 2017

Lacerate

E o dia passava rápido, como o bater de asas de uma andorinha. Passava rápido, pois ela também estava pensando rápido. Andando rápido, Comendo rápido, Bebendo rápido (Mais rápido que o fígado podia processar), dançando rápido. Ela vivia rápido na esperança de que sua vida pudesse passar mais rápido, para que ela não precisasse mais passar a vida com essa guarda levantada. Alerta a todos os momentos, pronta para se defender das pequenas coisas do dia a dia, que guardavam as lembranças que lhe pegavam de assalto, e rasgavam-lhe pedaços da carne-coração.
   A pista de Dança estava a mil, numa avalanche desordenada de sensações sinestésicas que eram batidas no cérebro pela vodka que vinha do estômago. Ela lutava bravamente para manter a cabeça entretida. Deixava-se levar sozinha pelo ditar mecânico da música enquanto a mente vazia contrastava o corpo cheio de tudo que ela não queria. Sentia algo faltando ali. Algo errado, algo estranho, como um membro faltante. Um fantasma que a agarrava de curva em curva pelo braço para endireitar-lhe os passos. Irritava-se. Não era para isso que estava ali.
   O carro arrancou assim que ela passou pela porta de entrada deixando-a sozinha no saguão, tentando acertar a chave na fechadura. Ela entrou no apartamento escuro sem acender as luzes. Nada que havia ali valia a pena ser observado. Passou pelos cômodos envoltos em sombras. Despiu-se, e enfrentou o jato de água quente enquanto olhava inexpressivamente para a parede à frente, esperando que ao menos hoje, as coisas fossem diferentes.
   Ao menos hoje, quando levantasse, ela não passaria os primeiros 15 minutos do dia sentindo falta de algo que ela não sabia exatamente o que era (ou sabia). Ao menos hoje, ela não queria acordar sozinha, e sentir aquele vácuo odioso no meio da caixa torácica que fazia parecer que o coração havia sumido. Ao menos hoje, ela não queria  sentir a ausência de algo quente que ocupava o espaço entre os braços dela durante o banho. Ao menos hoje, ela não queria deitar a cabeça no travesseiro no final do dia e agarrar o próprio corpo entre os braços, sentindo que deveria ter algo mais ali com ela. Algo que não estaria ali nunca mais.
   Ao menos hoje, ela não queria sentir que tão pouco tempo atrás (mesmo que parecesse ter sido numa vida passada) ela não era apenas ela. Ela era parte de alguém, e aquele alguém era parte dela, mas agora aquela parte lhe fora arrancada. E as sombras infestaram o buraco que ficara apodrecendo o dia dela com memórias de uma vida que não lhe pertencia mais.

   Então por fim, ela regou o travesseiro com as lágrimas habituais, arrancadas à unha entranhada na carne. Pois a dor física era um consolo singelo, que aliviava um pouco a dor tão maior, da mente que lhe dilacerava por saber que um dia ela amou, e perdeu.

domingo, 29 de novembro de 2015

Atlas

... E ele desceu o peso sobre as minhas costas. O primeiro reflexo foi o de morte. Senti aquele mundo de gravidade esmagando as minhas fibras e envergando meu corpo para baixo. E veio o medo. Eu olhei para o chão escuro pela sombra do fardo sobre mim, enquanto o suor escorria em lágrimas através da minha face. Meus braços tremiam, com o ácido lático digerindo-os por dentro enquanto a minha face ia cada vez mais de encontro à terra escura sob as minhas sandálias. O medo tomava face naquele chão. O medo que esmagava mais do que a bola de pedra e metal que envergava a minha coluna. "Não vou conseguir" penso eu. As escolhas são claras. Ou solto a carga, ou caio esmagado. Vencido. Partido. As pernas fraquejam. Tremem, bambas como gravetos de bambu, prontos a se quebrarem. O coração pulsa, nervosamente lutando para bombear o ar que não chega a tempo nos pulmões.o ar ausente dá lugar ao pesar crescente de me ver soterrado. O joelho toca a terra áspera e grossa. Paro, em pânico. O medo no meu estômago é como uma larva cheia de espinhos, e os meus ouvidos falham diante do desespero. Não ouço nada. Nem um som.
   Fecho os olhos. “vou morrer," penso eu. É o fim agora. E no meio daquele vazio eu ouço a voz no meu ouvido. A voz do velho e suas lições há tanto esquecidas.  
   "O mundo não é suave, rapazes. Então eu os estou ensinando a também não o ser". Dizia ele enquanto  corríamos até a exaustão sob o sol quente de primavera. EM verdade eu vos digo, é no momento de maior fraqueza que a verdadeira força se revela. O fundo do poço é o lugar mais claro do mundo. Pois no meio da escuridão, o único lugar para olhar(e seguir) é  para cima. Quando tudo o mais falhar, quando vós achares que a vossa força estiver no fim. Lembrai-vos do que for que vos move. Daquilo que realmente amam. Pois a força não vem dos músculos. A força vem Do criador. Vem da nossa mente, e nossa conexão com ele. Nas horas escuras, Tende fé em quem sois e no que fazeis. Lembrais e encontrareis forças onde antes havia fraqueza. Encontrareis força que nem sabias que tinham, Pois a fé é o que mantém o homem de pé, mais do que os ossos sob a pele.
     SABEI QUE PODES, E PODEREIS!

   Eu olho para o chão escuro, e vejo o sangue claro escorrer do joelho esmagado. Dói, mas agora, eu havia conseguido um bom apoio. De mente limpa, as coisas se tornam simples. Soltar ou ser esmagado. Penso eu.  Livre da dúvida, porém, eu sinto algo em mim. Algo maior que o peso, algo maior que a dor. Vou ficar com a terceira opção. As pernas ardem, gritam, queimam, mas queimam firmes. As costas arqueadas dobram, quase até o limite. Mas não quebram. Os braços fumegantes se erguem quase esmagados, mas não são. E do fundo do poço, eu olho pra cima, e me ergo,e ergo todo o peso e a dúvida, agora  tão menores do que eu. Eu me torno o bastião Diante do qual quebram-se milhares de guerreiros. eu me torno a luz para afastar as trevas. Eu levanto aquilo que iria me esmagar!

                                                                                                     PORQUE EU POSSO FAZER!



segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Cordel

  OS olhos. Tudo começa pelos olhos. O choque de dois pares se sóis, a contemplar-se. Plenos castanhos espelhados um no outro, a bailarem na transmissão de pensamentos. Mergulhar entre os poços tintos e profundos, que nos tragam fundo adentro. E sentir o calor e vividez pulsante, que silenciosamente nos grita: vem.
  E puxar, e empurrar. E ser puxado e empurrado. E pressionar, e ser pressionado. E ver, tocar, ouvir, cheirar, sentir. E ser visto, e tocado, e ouvido, e cheirado. Ser sentido. E ser tudo rubro. E róseo. E cóbreo. E tinto. Dançar pelas paredes, e sentir a alma através da carne. Soltar as mãos, e atravessar as camadas. As vestes. O pelo. A pele. A carne. Cravar as unhas e sentir o rubro ocre correr pelas garras. Pelos dedos, pelas costas, Pela língua. E aspirar o ar lotado de sussurros e gemidos, e aquecer-se entre a pele pálida, mas ainda assim tão cálida. E já nem saber mais o que se é e o que não.



   Deitar-se para o lado. Na ausência lânguida de movimento, entorpecidos. Olhar os olhos, cansados. E entregar-se ao abraço lento. E ao ditar do respirar profundo. Sentir os olhos, que se olham; mesmo sob as pálpebras fechadas. E as almas, que se agarram, por medo de se desgarrar, enquanto os corpos, exauridos e mal acabados, jazem largados, na imensidão do quarto vazio. Ouvir o som. Do ar pesado, entrando arrastado, pelo nariz arrebitado, do rosto de cada um.

Cair no sono. Para sonhar acordado, sentir-se extasiado. Por que se ama, e se é amado. Por esta que está ao meu lado, com desejo sentimento e vontade. Segue o amor entalhado, no coração de cada um.

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

A adivinha

   O interior da tenda era rubro e escuro, repleto com vapores e fumaças que saíam do braseiro, Trazendo-me à memória várias lembranças de eventos passados. Deixando a minha cabeça leve, e um tanto sonolenta. O rosto dela estava coberto por um manto carmesim com franjas douradas, Mostrando apenas os profundos olhos cor de ametista, que brilhavam intensamente mesmo sob a luz fraca. As mãos pálidas estavam cruzadas sobre a mesa, cobertas de anéis e tatuagens pontilhadas, revelando muito pouco da pele fina e macia que as formava.
   -Veio saber sobre o seu destino, criança? A voz dela era doce, mas se arrastava pesadamente nas palavras, como o canto de um pássaro velho. atrasado pela idade.
-Depende, disse eu. –O que eu verei?
-Eu não arriscaria um palpite. Alguns acreditam que o destino é como uma trama, onde o fio da sina de um se entrelaça entre as sinas de muitos, e cada um se puxa e se estica, tecendo o rumo do mundo. Outros, o vêem como uma tempestade de areia, onde os grãos são levados sem vontade pelo vento, esbarrando-se ao bel prazer desse guia caótico que nos leva a todos. Eu diria que o destino age de ambas as formas, e de muitas outras. O modo como ele age não é algo que entendemos, nem que mereçamos entender. Mas eu creio que não seja essa a questão a se responder.
-E qual seria a questão então? O riso dela revelou descaso.

-Veja bem. Reis, mendigos, guerreiros, sacerdotes, não importa quem sejam. Nenhum de nós é diferente para o pai tempo. Somos todos apenas uma pequena fração do destino. Nossas vidas passam no bater de asas de uma mariposa. Somos breves, curtos, efêmeros. Mas mesmo nesse bater de assas, mesmo o menor dos homens pode mudar o destino de muitos. Nada é certo com o futuro, nada é válido para o passado. Mas uma pequena pedra que rola do topo da montanha provoca uma avalanche aterradora na sua base. A pergunta não é o fim do caminho, nem o seu começo, nem mesmo o porquê de se caminhar de fato. Essas são perguntas que não possuem resposta. A pergunta de fato, criança. É pelo que vale a pena caminhar.

terça-feira, 4 de agosto de 2015

Raindrops

   music
O coração estava para sair pela boca, junto com a vodka e a comida no meio de toda aquela alegria. Os pés dela marcavam a pista ao som rápido e sinestésico da música, ou das luzes que saiam do globo; ela já não diferenciava mais. O mundo exterior estava no limiar da consciência. O que existia ali, eram apenas eles. as mãos quentes dele passavam pelo rosto dela sem que ele desviasse os olhos, ou perdesse os passos, assim como ela havia ensinado. "Ele aprende rápido" ela pensou. Muito rápido. Eles sempre aprendiam um com o outro. Foi assim desde o primeiro dia. E pensar que já fazia tanto tempo.
   O suor e o calor e o torpor do momento e a dor nas pernas de duas horas seguidas na pista atordoavam os pensamentos que se embaralhavam. Ela sempre soubera que nada era para sempre. ela sempre soubera que tudo acabava, que tudo tinha um fim para começar algo novo. fossem vidas daqueles que se ama, ou o seu seriado favorito. Ela já gastara muito tempo dos seus vinte anos meditando sobre aquilo. Aceitava, entendia, e de certo modo, via uma certa poesia naquilo. Instruíra-se a não se apegar a nada que fosse. Impôs-se um escudo de antipatia por todo apego que fosse, apenas para vê-lo se despedaçar naquela pista, por entre os olhos castanhos que a perfuravam por entre aquele cabelo ondulado. O terno dele estava escuro de suor, mas ele não diminuía o ritmo. E sorria. Sempre sorria, fosse para o que fosse. aquele sorriso franco e idiota que ele usava na cara e fazia o mundo parecer tão mais bonito do que realmente era...
   Aquele maldito, Ela, que sempre fora Destemida, uma lutadora, uma Viking, via-se agora com o mundo de ponta-cabeça por algo que mal sabia descrever. O sol explodia dentro da barriga dela, e o som se perdia por entre as voltas e passos que ambos coordenavam.O calor arrastava-a para ele como uma corrente de mil quilos, como se ela precisasse ser arrastada. Ela ia-se de bom grado guiada pelos braços magros. Era estranho, Porque mesmo em meio aquele prazer que nunca havia experimentado, ela Sentia medo. Sentia medo, por saber que um dia ele iria embora. não dali a uma hora, não dali a uma semana. Mas iria; porque todas as coisas iam-se, nada nunca ficava.E isso de repente tornou-se algo inaceitável. acabar com aquilo, aquilo que ela não sabia nomear, mas que parecia-lhe tão aparente. tão familiar. Familiar como ele, como a presença, o cheiro. o calor que emanava daquele ser que ela sequer levava a sério.
  Eles seguiam deslizando na pista, com os olhos conectados, e ela seguia deslizando entre o medo e o gozo que lutavam dentro da sua barriga. O gosto da vodka na boca dele vinha junto com as luzes rápidas e o som do tecno que embalava os passos. Faziam-na parecer que ia lembrar disso para sempre, porque naquele dia, naquela pista, naquela bebedeira, ela fizera uma descoberta que jamais pensaria chegar a fazer. dali em diante, a vida seria diferente. ela descobrira porque a ideia de perdê-lo parecia tão medonha, tão estranha. ali, enquanto dançavam, ela descobriu que o amava.

sábado, 6 de junho de 2015

Keep breathing (fly away)

Os olhos dela eram um sol castanho sobre aquela face marcada.
   O sol da tarde sobre o quarto escuro dava-lhes um toque líquido de âmbar, aquele toque que ele sempre procurava nas cores dos ermos que visitava dentro e fora de si. A cama se bagunçava e se remexia como um corpo vivo ao ritmo que eles bailavam em cima dela, pronta para voar pelo quarto, como um animal vivo e às pressas.os corpos de ambos in-distinguiam-se, como um polvo de muitos braços e pernas e sorrizos, todo a rasgar-se e acariciar-se, como se o mundo estivesse para acabar ali.o bronze dos cabelos dela emprestavam a luz que o quarto não tinha, aquecendo as paredes frias com aquele coração quente. Os olhos castanhos dele estavam fechados junto ao corpo esguio. Ele não precisava vê-la, por mais que a apreciasse. Ambos sabiam onde e como estavam, pois se amavam e se conheciam. E eram como espelho um para o outro. Um caleidoscópio de ruivos e castanhos, e cascas das árvores que eram, e pêlos e escamas dos monstros que guardavam debaixo da cama.
Eram livres no confinamento daquelas quatro paredes, pois suas mentes voavam por sobre os corpos, a lamber-se e beber-se um do outro, como era de seu costume. O cheiro de flor que brotava da alma dela atraía o pássaro que ele era, e as asas de pássaro encantavam aquela flor de timidez e rubridez que era parte dela. E assim eles seguiam amando-se. Sob aquela radiância que escapava deles, como dois sóis a atrair-se pela gravidade. Gravidade esta que não deixava-lhes separarem-se, orbitando juntos pelo firmamento do cotidiano de concreto cinza.E duplicavam-se as alegrias, e dividiam-se as tristezas, e mesmo em tempos de tempestade, mesmo quando queimavam-se um ao outro pelas intempéries, o calor era maior. E sempre seguiam-se e amavam-se. E isso tudo era bom. Tão bom.

Mas futuro põe à prova a gravidade sob o fio de uma lâmina. E eles desgarram-se a girar pelo espaço. Mas não mais frios não mais com medo, não mais sozinhos. Pois o Calor compartilhado não se espalha. E cada um mantém consigo o sol do outro(que é o outro) dento de si. E ela sabe que sob suas asas ela sempre possui refúgio. E ele segue com o perfume impresso no bico, grato por ter sido posto no caminho daquela flor, pois ela deu a ele o vislumbre do sol, como ele achou que já não existia, e segue de cabeça erguida, asas abertas Pois ele voa sabendo que com tudo de bom que ele carrega consigo, ele vai continuar respirando.